segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Toada velha cansada

Talvez uma das coisas mais interessantes de fazer pesquisa etnográfica com povos indígenas no Nordeste é a sensação imediata de proximidade. É, também - e após um tempo e/ou ouvido aguçado - a sensação mais mediada de diferença.

Não me entendam mal - este texto curto não tem pretensão de definir detalhadamente semelhanças e diferenças. Não quero dizer que povos indígenas de outras regiões do Brasil, como o norte arquetípico das florestas intocadas, sejam populações exóticas e puras, no sentido romântico do termo. Quero apenas dizer que no Nordeste, região em que tenho vivido, entre idas e vindas, nos últimos dez anos, as realidades indígenas às vezes nos apresentam algo familiar, e logo depois - ou ao mesmo tempo - escancaram diferenças até então insuspeitas.



O canto nordestino, a toada velha cansada que por muito tempo acreditamos ser uma característica de "brasileiros" da caatinga, aos poucos se mostra como característica também indígena da caatinga. Como entoação de índios ribeirinhos ilhéus canoeiros, agricultores e criadores de caprinos, caboclos de sangue dos antigos, familiares dos troncos velhos, mesmo dos brabios que continuam circulando por aqui, séculos depois.

Num instante, sentamos junto aos índios que fumam seus cachimbos sagrados, soprando a fumaça e o tempo; no outro instante, sentamos ao pé do fogão para ouvir uma toada na língua dos antigos, cantada como quem cantasse um aboio avoado.


Semelhanças e diferenças, proximidades e distâncias na trama do ouvido aberto.

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