sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Olhares e vozes: II Caravana em defesa do Rio Tapajós, seus povos e sua cultura

por Sabrina Mesquita

Começo assim, porque não sei por onde começar. Tem esse mundo aqui, que dizem ser abundante, mas que dizem que é por isso mesmo que deve ser explorado. Temos que inverter a lógica. Ter tem. Temos sim. Mas não vamos dar. Temos água, temos floresta, tem muita vida aqui. Mas não vamos dar. Não precisamos mais pagar pelo sossego do mundo dos outros com o nosso inferno, com nossas carnes, com nossas almas. Esse mundo aqui é lindo e ele precisa existir.

Foto de Sabrina Mesquita

(Abaixo, as informações disponíveis pela organização do evento, em sua página do Facebook)

Em 26 a 28 de agosto, Itaituba receberá comunidades da nascente à foz do rio Tapajós – dos rios Teles Pires e Juruena até seu encontro com o Amazonas – para discutir seu presente e seu futuro.

A bacia do Tapajós hoje convive com planos sobre hidrelétricas, portos, hidrovias e mineração, como se seus habitantes por cá não vivessem. Pescadores, barqueiros, garimpeiros, beiraderos, indígenas, agricultores, extrativistas, artistas, trabalhadores urbanos e rurais, os povos do Tapajós vocalizam suas necessidades e demandas de desenvolvimento, um que priorize a saúde, a educação, a cultura e a relação com o meio ambiente. A Caravana é um encontro para esses povos decidirem um rumo comum.


Local Escola Municipal Joaquim Caetano Correia, 540, Centro - Itaituba, Pará
No link abaixo você poderá fazer sua inscrição para a II Caravana e atividades autogestinadas.
http://www.tapajosvivo.org.br/caravana2/

Foto de Sabrina Mesquita

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

"Calma, parente": uma declaração de princípios


No fim de 2015, diversos povos indígenas, órgãos indigenistas e outros apoiadores do movimento indígena brasileiro se reuniram em Brasília para a 1ª Conferência Nacional Indigenista. Diversas pautas importantíssimas, não apenas para os povos tradicionais, foram debatidas durante os quatro dias de encontro, e o evento pôde mesmo articular a criação de um Conselho Nacional de Política Indigenista, “órgão colegiado de caráter consultivo, responsável pela elaboração, acompanhamento e implementação de políticas públicas”. O que mais me chamou a atenção, entretanto, antes mesmo da realização do encontro, foi o mote escolhido pelos participantes para contar os dias até a realização da conferência.

“Calma, parente.” Desse modo, mais de mês antes da reunião na capital federal, eu via as redes sociais recheadas de imagens e posts com estes dizeres: “calma, parente.” E essa expressão ficou comigo, e creio que ainda está. Calma. “Parente”, sabemos, é o termo que os povos indígenas de todo o Brasil usam para se referirem uns aos outros, independentemente de seus grupos sociais, comunidades ou etnônimos. Todos os povos indígenas desta terra são, assim, parentes.



E calmos, mesmo quando não. A imagem da contagem regressiva, dizendo “calma, faltam dez dias”, depois “calma, faltam só nove”, depois “calma...” foi de um impacto curiosíssimo, ao menos sobre mim. Porque, vejam, concordamos que o mundo não anda bem das pernas, entre mudanças climáticas e presidências interinas, entre discursos de ódio e perda de ministérios estratégicos. Sabemos que os últimos tempos também não têm sido bons para esses povos – os governos recentes foram os que menos demarcaram terras indígenas, e tramita nos meandros do sistema uma PEC que pretende passar ospoderes de demarcação de terras indígenas e quilombolas aoCongresso Nacional – considerado “o mais conservador desde 1964”, e certamente não muito sensível às causas das minorias, étnicas e outras.

Mas ainda assim os povos indígenas diziam, organizando seu encontro: “calma, parente.” Num misto de preparação e tranquilidade que só me pareceu – e ainda me parece – possível de entender se considerarmos a realidade dessa enormidade de povos. Calma. Não precisa tirar o pai da forca. Não precisa correr. O céu não vai cair sobre nossas cabeças. O mundo não vai acabar. Já acabou.



É uma mensagem sutil e forte, poderosa porque viva na luta de todas essas pessoas, que são muitas. Poderosa também porque compartilhada por elas em outro tempo, em outro tipo de tempo. Em outra medida. Correndo de um lado ao outro na vida, publicando artigos ou fechando contratos, a ideia de ter “calma” não é das mais bem quistas por nossos modos de vida correntes. O meu mesmo, devo dizer, em certos momentos já foi, hoje nem tanto. Os de vocês não sei, mas não me arrisco a dizer que o tempo, rolo compressor da modernidade, também não os assola. Essa aceleração do mundo, no fim das contas, inclusive por causa das contas, não deixa ninguém de fora.

Mas o mundo em si, para além do que fazemos dele, também vive outro tempo. Escalas geológicas, fluxos cósmicos muitíssimo vastos, eras, éons, estrelas. Ainda que tenhamos a capacidade – nada invejável – de influenciar negativamente o tempo geológico do planeta, criando nosso próprio Antropoceno sobre ele. Um dia, entretanto, o planeta deverá continuar sem nosso incômodo, e seguir seu curso até um destino que não se sabe.

Há uma imagem muito conhecida, compartilhada por diversos povos ao longo do tempo e espaço. Nela, vemos – ou ouvimos contar sobre – uma tartaruga sustentando o mundo sobre o casco. Singrando o espaço, na versão de Terry Pratchett, às vezes sustentando quatro elefantes que por sua vez sustêm a terra, às vezes tendo no casco uma ilha cuja árvore dá cria aos primeiros humanos, como em muitos mitos de criação de povos nativos da América do Norte. Mas o sentido dessa imagem, que há muito também singra minha mente e sobre a qual até já escrevi em outros tempos, só recentemente me pareceu claro. Só depois de um tempo, de ouvir e reouvir “calma, parente”, senti ter entendido algum sentido nesse mito.



O fluxo do mundo, o tempo, não é o da correria que hoje, sobretudo nessa modernidade individualizada – como diria Louis Dumont – conhecemos. O tempo do mundo é outro. O fluir da Terra é amparado pelo casco de uma grande tartaruga, e nele é levado. Até mesmo os mitos de criação que mostram o mundo surgindo de um oceano parado, por exemplo, como certos Espíritos pairantes de Deus ou Vishnus adormecidos boiando, mesmo tais mitos parecem compartilhar uma característica basilar com a tartaruga: calma.

Ou passos lentos, pelo menos. Diferenciados. Outro ritmo, poderíamos dizer. A aceleração moderna é também aquilo que faz os modernos expandirem sobre os outros sua – nossa – própria temporalidade. Johannes Fabian, em O tempo e o Outro, trata bem desta questão. Por ela vemos que não apenas impomos relógios aos outros, mas marcamos horas em nós próprios, tendo “como objetivo fazer com que o pesquisador de campo ‘ganhe’ tempo, não ‘perca’ tempo, cumpra seu ‘prazo’” (da resenha de Ronaldo Lobão).


Quando estive este ano na Assembleia do povo Xukuru, que vive no agreste de Pernambuco, fiquei hospedado na casa de uma família, bem na aldeia onde ocorria o evento. Povo da mata, lavradores nas roças que se estendem por toda a Terra Indígena demarcada, os Xukuru trabalham a terra sagrada, como chamam, num ritmo de intimidade com a plantação e a colheita, com a sazonalidade das safras. Essa intimidade – esse conhecimento, essa verdadeira ciência – não difere muito das temporalidades encontradas em outros grupos sociais que trabalham a terra, que plantam, colhem, nos alimentam e pouco a pouco são atropelados pelo avanço do progresso, pelos latifúndios – hoje eufemizados como “agronegócios” -, pelas máquinas e grandes capitais. Não é um ritmo que eu, particularmente, conheça, tendo sido criado em meio urbano, em estado superindustrializado, vocês sabem. Mas é impossível não se deixar levar – ou se deixar ficar, às vezes – pela relação dessas pessoas com o tempo, as perspectivas de futuro previsível e não angustiante, o trabalho seguinte, a próxima colheita, o ano que vem.

No fim da minha estada, me despedindo para descer a Serra do Ororubá e voltar para casa, ouvi daquela família uma fala bastante repetida. “Já vai? Então vá com Deus. E até para o ano, se Deus quiser.”

“Até para o ano.” Até o ano que vem. Até. Porque há Assembleia Xukuru todo ano, assim como o sol se levanta e as plantas crescem. No meio tempo, na entressafra, nessa angústia acelerada de viver na cidade, na universidade, nos prazos, nas cobranças, se há algo que  – sinto – às vezes nos falta é essa perspectiva de um retorno. De um tempo cíclico, como é a colheita, como é a assembleia. De uma calma que acompanhe o singrar da tartaruga sustentando o mundo. De uma grande rede que nos oriente, no centro do fim do mundo ou às vésperas de um grande encontro, uma alternativa, mesmo uma necessidade: “calma, parente.”

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

A ética da escuta e a poética língua viva

“Contarei, se você quiser ouvir, mas não se trata apenas de um conto. Há muitas coisas que não compreendemos, mas aquilo que sabemos de nossa história é verdadeiro.”

“Eu ouço”, Rolery murmurou, seguindo a fórmula ritual.

Ursula K. Le Guin – Planet of Exile

Quando um burro fala, o outro abaixa a orelha. Dois ouvidos e uma boca, para ouvir mais que dizer. Escute a voz da experiência, o conselho dos mais velhos, escute seu coração. Parece que o grande repositório de conhecimentos populares, ditos que nunca se encerram, possuem muitas formas de nos dizer como proceder vida afora. Muitas maneiras de nos orientar no mistério constante do humano: de que modo viver?

Mas há modos de conhecer que distanciam as práticas do ouvir, cindindo, entre outras coisas, o ouvido do olhar. Tim Ingold indica, em Pare,olhe, escute!, como a primazia da visão sobre a audição reflete (reflete!) um projeto moderno de razão clara e distinta (!), de esclarecimento (!) e reflexão objetiva – efetivamente objetiva, como uma lente de aumento, como um aparelho técnico de entendimento. É esse mesmo projeto, nesse mesmo movimento, que nos últimos séculos vai reforçar um controle humano sobre o universo social em que se vive. Basta pensarmos em todas as normatividades com as quais lidamos dia a dia, e com toda a pressão normativa que se esconde, mais ou menos veladamente, nas comunicações mais cotidianas. Na língua, por exemplo.

Há não muito tempo, vimos nas redes sociais um comportamento digno de tal projeto – que circulou, de forma nada surpreendente, através de uma fotografia. Nela, posando com uma placa onde se lia “Não existe PELEUMONIA e nem RAÔXIS!”, um médico – “doutor”, espécie de avatar da racionalidade científica moderna – caçoava de um paciente que, pouco antes, dissera tais palavras numa consulta. Porque, como se sabe pela norma padrão da língua portuguesa, pneumonia e raio-x não são peleumonia e raôxis. E a norma padrão, no projeto linguístico nacional, na normatividade da língua portuguesa, em sua variante brasileira, é a norma correta. Ou, claro, a norma que se pretende correta.


Há toda uma série de implicações éticas em torno desse episódio – como, por exemplo, a veiculação pública de um diagnóstico médico privado – e uma série talvez maior de implicações relacionadas aos desdobramentos históricos das línguas faladas no mundo. Porque se há algo que quaisquer dois ouvidos percebem, talvez mesmo um, é que a língua viva não se presta a amarras.

Falando sobre a ideia de nação, Marcel Mauss indicava no começo do século XX que a língua estratificada, padronizada, é objeto de reverência apenas das elites. Há, para além desse objeto de culto, aquilo que ele próprio denomina “língua viva”, que vive justamente de modo natural, sem fronteiras ou contornos nítidos, sem refinamentos ou ambições políticas, plena de força e liberdade. É contra o projeto claro e distinto da norma centralizadora que a língua viva – a comunicação viva, talvez possamos dizer – se ergue, de modo espontâneo e nas brechas de todas as normas.

A plasticidade da língua, da fala, da sonoridade do ambiente é algo notável em todos os grupos humanos que se comunicam por sons. Muita antropologia já foi feita levando isso em consideração, e também muita literatura. Talvez porque, como a história de Ursula K. Le Guin nos mostra na epígrafe deste texto, antropologia e literatura são feitas sobretudo a partir de escutas. A partir de experiências de contato, audiência, incorporação completa dos sentidos. Graças à abertura do ouvir, em suma. Em som.

Certa vez, quando vivia no Recife, vi passar um carrinho de amendoins cozidos na esquina perto de casa. Numa plaquinha – de papelão, talvez, talvez madeirite – o vendedor dizia “amendoin cozinhado quente”. Há toda uma beleza na sonoridade dispersa do mundo. Nas agências moldadas pelos modos de falar, pela escuta do entorno – social ou mais que isso. Alfred Gell escreveu sobre “A linguagem da floresta: paisagem e iconismo fonológico entre os Umeda” da Nova Guiné. Steven Feld, sobre “Som e sentimento: aves, pranto, poética e canto na expressão Kaluli” da mesma região. Uma amiga que fiz em meio a burocracias acadêmicas, hoje pesquisadora na Califórnia, estuda o canto dos pássaros e a evolução da linguagem humana. O próprio Marcel Mauss indicara mana em canções e sons.

https://bioanthrotransactions.org/ - Madza Yasodara Farias Virgens
  
Penso, então, na diferença entre as duas placas. “Não existe PELEUMONIA” por um lado, “amendoin cozinhado quente” por outro. Algo que, talvez, se evidencie mesmo nas transcrições que ainda fazemos de falas e entrevistas: em que situações a transcrição mantém as peculiaridades da fala, em que situações padroniza o discurso? Doutor e vendedor de amendoin teriam o mesmo tratamento num texto analítico? Num projeto de ordenação do mundo através da escrita? Nisto que sempre fazemos quando, digamos, não atentamos primeiramente ao que ouvimos?

Ministrando um curso de Antropologia e Imagem, ano passado, tive o cuidado de tentar questionar a primazia da visão – esse projeto tão moderno e esclarecido. Antropologia e imagem foram se embaralhando com sonoridades e cantos indígenas, sons naturais, biofonias e certo envolvimento integrado com muito, senão tudo, do que nos chega aos sentidos. Vocês que me leem aqui escrito, já ouviram a polifonia das águas percutidas pelos pigmeus Babenzélé? Ou o canto polifônico das crianças desse povo, que toca na sequência? Ouçam. Não há como dizer com palavras o que se escuta sem elas, como Steven Feld diria.




Não haveria muita capacidade criativa se as normas e padrões da língua estabelecessem diretrizes incontornáveis. E, considerando a possível base linguística de qualquer pensamento humano, não haveria muita criatividade sem a peleumonia, o amendoin cozinhado quente que vi passar na esquina, ou sem a poética que se arrisca a propor o que não está dado – sem a poética que se arrisca a compor.

É nesse contexto que a crítica à peleumonia não apenas limita a interação social, por preconceito linguístico e elitismo, mas também diminui drasticamente as possibilidades de pensamento humano. No fim de 2015, nesse mesmo espírito doutoral, a Presidência da República vetou um projeto que há tempos tramitava e que buscava ampliar o reconhecimento das diversas línguas indígenas faladas no Brasil. Essa ampliação de reconhecimento viria expandir o direito linguístico já estabelecido legalmente há tempos, direito que a Constituição de 88, tão maltratada hoje em dia, frisava bem. O veto, curiosamente, esclarecia que seria difícil respeitar a variedade linguística – e epistemológica, e cognitiva, e pedagógica – porque a variedade linguística atrapalharia os procedimentos institucionais. Marcel Mauss falando sobre o império da língua nacional nunca esteve tão certo.

Ouvir, então, passa também por ouvir o que não se quer – e às vezes não se sabe – ouvir. Passa pelo ouvido como ondas sonoras que se transformam em sentido. Ouvir, esse processo de decodificação do pensamento alheio, de entendimento, é um exercício do tato, das sinapses, do contato entre a voz que fala e a voz que escuta. Ouvir é o Outro se fazendo presente, e não parece haver outro exercício do sensível, e da sensibilidade, mais evidente que isso. Veja-se os recentes movimentos que, nas mesmas redes sociais do doutor-pneumático, são capazes de dizer coisas até então insuspeitas ou flagrantemente ignoradas – como os relatos diretos que muitas mulheres, criando uma rede para falar de #meuamigosecreto, trouxeram à baila. 

Complexo sensório-cognitivo Umeda, em desenho de Alfred Gell

É na dimensão do ouvido, e não do esquecimento, certamente não da ignorância, que vislumbro – ou escuto? – alguma possibilidade para a ação. Como na figura mítica de Guanyin, a deidade budista cujo nome significa “Aquela que ouve os sons do mundo” (inicialmente “Aquele”, mas que na China se transmuta – história para outra hora). Sons que a permitem, além de abrir os ouvidos, estender a mão.

É assim que Jakob Agat Alterra, personagem de Planet of Exile, atualiza a fórmula ritual de audiência e atenção para muito mais que apenas o som. “Ouço com o coração”, ele diz, e adentra a tenda de um outro povo com quem, então, pode dialogar.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016, ao arrepio e à contrapelo

Não tenho como começar este texto se não por uma nota biográfica.  A primeira Olimpíada de que me lembro foi Barcelona, em 1992. Foi quando eu me apaixonei perdidamente por vôlei, com aquela seleção que tinha o Marcelo Negrão e conquistou nosso primeiro ouro na modalidade. Tinha o Robson Caetano correndo, com toda a sua elegância. E assisti as meninas da ginástica olímpica voando, sonhando em ser uma delas, mesmo quando o chato do meu pai disse que eu era muito grande e inelástica para treinar. Meu pai, aliás, ex-judoca que era, vibrou muito com o ouro do Brasil, e colocou eu e meu irmão pra lutar num colchão na sala de casa. Mas, na verdade, o que mais me encantou nas Olimpíadas, o que me fez ter um desejo ardente de fazer parte, foi a cerimônia de abertura, com a pira olímpica acesa por uma flecha de fogo. Passei a vida sonhando com uma Olimpíada no Brasil para que eu pudesse assistir ao vivo, de corpo presente, a cerimônia. Passaram-se 24 anos e eu assisti a Cerimônia de Abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro de 2016 pela televisão. Pois é.

Cerimônias de Abertura das Olimpíadas são as notas biográficas dos países sede. São histórias que contam sobre si mesmos para si mesmos, como escreveu Clifford Geertz em suas notas sobre a briga de galos balinesa. São também as narrativas necessárias e possíveis para o momento histórico de cada país. Afinal, elaborações de si e do passado se fazem sempre no presente. E são ainda histórias que se contam para o Outro, como uma forma de se apresentar e apresentar as suas armas. Como um ponto de chamada, em que a entidade diz a que veio e o que faz.

A história que o Brasil tem contado sobre si mesmo para si mesmo ao longo do tempo tem basicamente dois tropos: o mito das três raças e os dilemas da modernização. Contamos essa história repetidamente, apresentando variações do mito, com maior ou menor disposição de resolver as inescapáveis tensões dialéticas que se apresentam nessa narrativa. Qualquer tentativa de resolvê-las, é claro, é cair em uma armadilha. Fernando Meirelles foi mais esperto, fingiu resolvê-las para deixa-las escancaradas. Talvez ele esteja gozando daquele otimismo estruturalista do Lévi-Strauss em Raça e História, de que na verdade é o acúmulo de versões do mito que leva a algum progresso. Decerto, em uma linguagem que joga o tempo todo com transformações entre figura e fundo, o espetáculo torna explícito o tempo todo o que é dito e o que é silenciado, e como vozes e silêncios transformam-se uns nos outros. E são justamente os movimentos de transformação o mais importante, porque revelam que as coisas nunca são absolutamente uma coisa ou outra.

Vamos lembrar que a narrativa da Cerimônia de Abertura tem dois (ou talvez três) pontos de partida externos à performance no Maracanã. O primeiro foi o esforço algo quixotesco de Lula, com a emergência do BRICS, em construir o protagonismo internacional do Brasil, que o levou a amealhar a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas, com a benção das empreiteiras entusiasmadas pela realização das grandes “obras de infraestruturas”, quase todas elas com problemas de projeto e execução, com superfaturamento e burlando acintosamente laudos e leis socioambientais. Empreiteiras aliás envolvidas em negociatas trianguladas entre Brasil (com tantos outros megaprojetos desastrosos como Belo Monte), Europa/Portugal e África, onde também estão acontecendo as tais obras de infraestrutura.
O segundo foi a entrada do Brasil na cerimônia de Encerramento de Londres 2012, com Marisa Monte incorporando Iemanjá, para realizar a viagem ultramarina do Velho ao Novo Mundo. A orixá iorubá, que dos rios chegou ao mar na fé dos africanos trazidos à colônia como escravos, realizando o percurso do Tâmisa à Baía de Guanabara.




O terceiro foi a última versão narrada do mito das três raças, na cerimônia de abertura da Copa do Mundo de 2014, cerimônia lamentável em todos os aspectos, à notável exceção do menino guarani que recusou seu papel de conciliador e de índio genérico quinhentista e se afirmou como sujeito político do presente ao revelar a faixa exigindo Demarcação Já para as Terras Indígenas.




A contagem regressiva é feita em um enorme mosaico de corpos e tecidos prateados, ora figura ora fundo da projeção feita sobre o tablado colocado no gramado do Maracanã como tela e picadeiro para a cerimônia. Geometrias que se querem modernistas, futuristas, e orgânicas, nativas. Delas saem fios verdes luminescentes que formam a imagem de Ziraldo, meio símbolo da paz, meio árvore, paradoxalmente confinada em um círculo. Alguns fogos burocráticos do círculo maior do estádio soam as trombetas.


Anunciam-se as autoridades, os homens engravatados. Michel Temer, vaiado nos ensaios e na vida, não é mencionado, e o mundo se apercebe de sua presença sinistra, força de anti-vida. Dilma, com seu espírito guerrilheiro, ao menos suportou as vaias e as ofensas na abertura da Copa do Mundo. Temer não. É um alerta geral, este é um espetáculo em que temos que prestar muita atenção aos silêncios.

Mas o hino nacional é cantado por Paulinho da Viola e um octeto de cordas. Sotto voce, delicado, sem nenhum ufanismo desmesurado. Crianças e atletas veteranos somam-se ao coro enquanto a bandeira é hasteada. Poucas vezes na vida nosso hino me inspirou respeito. Esta foi uma.

Então, a primeira imagem que vemos é o mar quebrando na areia. Das águas saem criaturas/marionetes, formas primordiais de vida em cujas entranhas podemos ver os corpos dos dançarinos contidos nas formas, escapando da obviedade da biodiversidade normalmente celebrada. O caranguejo que vemos subindo é o desbravador “da lama ao caos” (Saravá, Chico Science), em que a lama é o mangue, é a Guanabara e é também o Rio Doce devastado após o crime da Vale/Samarco em Mariana. Tudo isso é explicitamente não dito.



Em seguida vemos as fileiras de índios entrando. Começa o mito das três raças propriamente dito. Um grande comentário do dilema brasileiro e também amazônico. Sônia Guajajara denuncia a folclorização dos indígenas. Não são performers indígenas, são dançarinos amadores do Boi Bumbá de Parintins, que “tem sangue indígena” como disse o coreógrafo Erick Beltrão no vídeo do making of. Os realizadores do Boi Bumbá de Parintins enfrentam há anos essa crítica do “índio genérico”, na expressão de Darcy Ribeiro. Não pretenderam resolvê-la aqui apelando para minúcias de particularidades étnicas que criariam uma miríade de redutos identitários. Pelo contrário, o que se apresenta aqui é a potência da transformação sempre iminente. A coreógrafa Deborah Colcker montou uma cena em que os índios trançam grandes fios suspensos em um varal que vai de fora a fora do estádio. Fios que também servem de fundo para projeções de outros fios. Fios que são tramados em padrões de teçumes e cestarias indígenas, em uma geometria muito mais intrincada que a anterior, mais fractal e caótica, formando grandes ocas. Pindorama, cheia de fios da floresta, casa dos índios.



Chegam os portugueses, em suas caravelas esqueléticas contendo corpos como antes os animais marinhos haviam feito. Deixam um rastro mortífero avançando pelo verde dos fios projetados, enquanto são envolvidos pelos fios suspensos. Chegam, por fim, os africanos, com um corpo de dançarinos cujos fenótipos levantaram acusações de blackface nas redes sociais. Não chegam em barcos, nos navios negreiros que os trouxeram da África para a América, mas em rodas e passos marcados, já caracterizados como força de trabalho. A “homogeneidade” dos africanos de muitos povos, em contraste com a nacionalidade marcada dos portugueses, será complexificada mais adiante. O fundo da projeção retoma o tropo da modernização. A ferida das caravelas vai sendo tomada por outras feridas, marcadas no compasso do trabalho escravo, linhas reticulares que mostram os campos de cultivo do Brasil rural. Este Brasil das capitanias hereditárias, dos latifúndios, das linhas planificadoras que atropelam os fios da vida e rasgam a floresta. Essa sobreposição de linhas em uma racionalidade planificadora e que se furta à vida traz as reflexões de Tim Ingold, de seu livro Lines. Lines também pode nos trazer um contraponto para os jogos de figura e fundo do espetáculo. Ingold fala de uma distinção entre fios, que se tramam para formar superfícies, e traços inscritos sobre superfícies. As projeções da abertura jogam com ambas as formas de linha, em que as superfícies ora são pano de fundo para o desenrolar da narrativa em que os atores e objetos cênicos são destacados, ora são coberturas que ampliam, magnificam e acabam por sobrepujar qualquer ação humana, como nessa imposição do progresso. A afirmação de progresso deixa explícito, sem ter que o dizer, o quanto o progresso aqui sempre quis dizer colonização, expropriação e genocídio. Chegam por fim, e um tanto burocraticamente, os outros povos que compõem a “nação miscigenada” brasileira, árabes, orientais, etc.  Esta parte do mito funcionou muito melhor na entrada das delegações em que podemos reconhecer, ou não, nossos parentes.
E o cenário muda para uma paisagem urbana. As linhas parecem rachaduras no fundo branco. São os vãos dos prédios que vão emergindo em uma ilusão de tridimensionalidade, enquanto dançarinos “saltam”. Em uma extremidade, prédios “de verdade” formam um fundo enquanto os dançarinos montam uma parede ao som orquestrado furioso de “Construção”, de Chico Buarque. Os blocos de construção são também as asas quadriculadas do 14 Bis de Santos Dumont, aquela necessária pirraça brasileira de que nós também temos um inventor importante. Santos Dumont decola em uma pista de pouso e sobrevoa uma paisagem urbana noturna, linhas douradas piscantes do plano ortogonal sobre um fundo escuro, projetada também pelas lanternas da arquibancada, até sair do Maracanã para o céu noturno do Rio. E a urbanidade excessiva é redimida pela conversão das fachadas dos prédios no rosto de Tom Jobim. Ouvimos, executada por seu neto ao piano, a música cartão de visita do brazilian way of life, Garota de Ipanema, em uma representação de Tom muito melhor do que os mascotes horrendos criados por publicitários leite-com-pêra. A Garota de Ipanema realiza as inversões mais uma vez. Ela não desfila a caminho do mar, mas dos prédios da metrópole. Tampouco é uma moça do corpo dourado, é a gaúcha/alemã Gisele Bundchen, em um vestidão prateado. Choca não por ser linda, embora o seja, mas por ser a mais reconhecida beleza assim tão europeia, embora brasileira. Como a bossa nova, afinal. Ondulam suas madeixas loiras e ondulam as linhas pelas quais desfila evocando Niemeyer.



Esta ondulação é rompida abruptamente por uma projeção de cubos psicodélicos e dançarinos negros fazendo o Passinho no alto dos prédios, caindo do morro mas muito acima do asfalto. Começa a celebração da favela. Ludmilla canta o “Rap da Felicidade”, mas pula as partes da música que falam de exclusão social. Os gringos não sabem, mas a gente sabe. É tanto cinismo que deixa de sê-lo. Vinícius de Moraes surge, com Baden Powell, enegrecido na batida eletrônica do funk carioca e na voz da Mulher do Fim do Mundo, Elza Soares, com um cabelão roxo. E canta-se o Canto de Ossanha, cuja letra parece hoje narrar pari-passo a farsa da política brasileira.

“O homem que diz "dou" não dá
Porque quem dá mesmo não diz
O homem que diz "vou" não vai
 Porque quando foi já não quis
O homem que diz "sou" não é
Porque quem é mesmo é "não sou"
O homem que diz "tou" não tá
Porque ninguém tá quando quer
Coitado do homem que cai
No canto de Ossanha, traidor...”
(chorei nessa parte, confesso, amo demais essa música)



Macumbarias do capitalismo, na versão tupiniquim do manifesto de Isabelle Stengers. Nessas tensões sem síntese, contrapontos como se diz na música, o samba e o rap tem um novo encontro com Zeca Pagodinho e Marcelo D2, vestidos de branco-terreiro, cantando “Deixa a Vida me Levar”. Dizem as más línguas que estamos celebrando juntas a cachaça e a maconha, escondidas na malandragem. Capoeiras caleidoscópicos jogam enquanto MC Karol e MC Soffia, em um visual cyberfunk, mandam um funk feminista, seguidas da Gang do Eletro fazendo o baile-rave. Os prédios e o asfalto viram cada vez mais morro, aquele que sobrevive e resiste às UPPs. Moradores da Mangueira, enquanto isso, assistem de longe, do alto das lajes. A polícia fez um cordão de isolamento de 200 metros do Maracanã. Longe dali, em São Paulo, a polícia desce a porrada em manifestantes.

Segue-se um momento constrangedor com Regina Casé como mestra de cerimônias, dizendo que estamos a celebrar as nossas diferenças. Ela, falhando miseravelmente e propositadamente ao propor a síntese da tensão dialética, lembra-nos que não conseguimos ainda escapar do ranço da Rede Globo (não me leve a mal, Regina, adoro seus filmes), do “racismo cordial” negado pela trupe do Ali Kamel. Jorge Ben canta País Tropical, fechando o toque Brechtiano do espetáculo.

O tropo da modernização e sua história linear e evolutiva evocam as narrativas apocalípticas de um futuro ameaçado pela destruição do meio ambiente. Uma Flor Nasceu na Rua, poema de Drummond sobre a vida bruta e singela, é recitado de forma bilíngue por Fernanda Montenegro e Judi Dench (que deixa o papel Londres 2012 de chefe do James Bond). O Brasil reitera seu papel de guardião do mundo e do futuro pela preservação das florestas que impedem o aquecimento global, causado pela queima de combustíveis fósseis e emissão de CO2 na atmosfera. A notória ausência de protagonistas indígenas nesse discurso, tendo sido eles nossos porta vozes mais eloquentes e sensatos desde os anos 1980 e a Eco 1992, soma-se à profusão de denúncias dos abusos crimes e atrocidades cometidos para a realização dos Megaeventos no Brasil, todas elas abafadas e mal respondidas pelos políticos dos três níveis da federação envolvidos. A imprensa internacional, é claro, esbalda-se no cinismo. A poluição da Baía de Guanabara, a destruição de uma área de proteção ambiental para a construção do campo de golfe, a precariedade das instalações da Vila Olímpica, as metas ambientais não cumpridas. Fernando Meirelles, marinista e ator relevante na articulação da Rede Sustentabilidade, deixa propositadamente o flanco aberto para este tipo de ataque, enquanto a sua projeção didática acusa apenas os países estrangeiros. Diz não dizendo. Travestido de isenção política. As linhas dos gráficos em toda a sua cientificidade, são apenas uma versão purificada e empobrecida de todos os fios anteriormente tramados na cerimônia, em múltiplas redes. Jamais Fomos Modernos, como sublinhou Bruno Latour, mas nós somos brasileiros e não desistimos nunca.

Voltamos para a praia, para o desembarque das delegações. Ao invés da volta olímpica, passam apenas pelo centro do Maracanã, sendo lideradas por crianças com mudinhas e bicicletas brega-kitsch de jardim com os nomes dos países. Levam sementes que serão introduzidas em uns raladores gigantes metálicos e medonhos, parentes distantes dos Daleks de Dr. Who. As delegações são conduzidas quase na marra por ritmistas das escolas de samba, lembrando que afinal de contas o Brasil é um país extremamente autoritário. As más línguas compararam a imagem aérea do desfile a uma vagina gigante, o que dá uma enorme dignidade ao evento, como Origem do Mundo.



É uma mensagem eficaz de conciliação, de espírito olímpico capaz de interromper guerras e levar à confraternização dos povos. Eu quase acredito que Olimpíadas no Terceiro Mundo fazem justiça às dezenas de delegações de países do terceiro mundo, cujo uniforme de cerimônia é infinitamente mais bonito do que os insuportáveis terninhos e uniformes da Adidas. Em um momento de erosão da União Europeia e Trump falando sobre deixar a OTAN, a mensagem fricciona (treme, treme, disse a Gang do Eletro logo antes). Os narradores e comentaristas brasileiros dão um banho de etnocentrismo e ignorância, enquanto comentam a entrada das delegações. Todavia, é bonito ver Palestina entrando, ver a delegação de refugiados entrando. O Brasil entra ao som de Aquarela do Brasil, como não podia deixar de ser. Lea T conduz a nossa bicicleta, uma celebração da vida e da pauta LGBT diante das nossas pessoas trans que são assassinadas diariamente (tem uma entrevista linda dela aqui). Sutil, e contundente o suficiente para dar um recado à nossa Bancada BBB e a todos aqueles empenhados em fazer ruir os direitos humanos conquistados a duras penas nesse país.


Os raladores/robôs assassinos são arrumados em círculos para formar os anéis olímpicos. Explodem em anéis de folhagens, espalhando sementes. Lembram enormes pés de maconha, mas é só por acaso. Fogos e mais fogos. O Maracanã vira um caldeirão. Crianças trazem pipas e é feita uma homenagem a um atleta queniano que se transformou em educador. Mais um comentário sutil e talvez involuntário sobre a falência da Pátria Educadora. Os notáveis fazem discursos, aquela parte obrigatória e dispensável da cerimônia. Temer declara os Jogos Olímpicos abertos e é abundantemente vaiado. Alguns amigos com quem assisto os jogos tem seus corpos tomados de raiva catártica e gritam e assobiam para a televisão. As redes sociais explodem. A Máquina e a Revolta, quarenta anos depois da tese de Alba Zaluar sobre Cidade de Deus.

 A bandeira olímpica é trazida por alguns notáveis, entre eles Ellen Gracie, representando nosso STF cada vez mais pop, Oscar Schmidt e Marta, a face e a esperança do nosso futebol pós 7x1.

Wilson das Neves chama nossos ancestrais, tocando samba em uma caixinha de fósforos enquanto um menininho samba. Chamando Ary Barroso, passa a bola para Caetano e Gil cantarem “Isto aqui o que é?” acompanhados de Anitta. O truque da inversão se faz mais uma vez. A música do cânone sagrado brasileiro cantada por uma funkeira formada no gospel. Caetano, responsável pela escolha, mostra sua argúcia costumeira ao declarar saber muito bem para quem o bastão da música brasileira está sendo passado. Anitta canta bem e sensualiza, porque ninguém ali está interessado no sexy-sem-ser-vulgar. As baterias das escolas de samba entram por fim.



Guga adentra o Maracanã, meio correndo, meio mancando, trazendo a tocha. Hortênsia a recebe e a entrega para Vanderlei Cordeiro de Lima, símbolo do espírito olímpico e da teimosia brasileira. Nossos heróis veteranos, cansados mas não vencidos. Nossa pira é pequena, sustentável, emoldurada por uma escultura solar movida por energia eólica. Um comentário sobre a necessidade de mudar a matriz energética, abandonando os inimigos combustíveis fósseis (e, de modo não dito, as barragens catastróficas da hidroeletricidade, como conquistado pela incrível vitória dos mundurucus defendendo o Tapajós).



A nota biográfica brasileira é uma narrativa difícil, cheia de silêncios e de lacunas, cheia de contradições e paradoxos, cheia de injustiças e irresponsabilidades, de violência e uma luta constante contra o desespero. Esta foi a narrativa possível, a narrativa necessária, executada com maestria porque de fato somos muito bons mesmo em fazer festa. O avesso dessa narrativa é o desempenho patético da seleção olímpica de futebol masculino, cada vez mais desacreditada, corporificação absoluta de nossos dirigentes corruptos e ineficientes. Dizer que aprendemos alguma coisa com o 7x1 é cair mais uma vez no conto do progresso, essa mentira escrita na bandeira nacional que o Temer tomou como slogan de governo. Mas o exercício de narrar a nós mesmos, e deixar agir o trabalho do tempo nessas narrativas sobre o mito das três raças e a modernização, é aquilo que dialeticamente pode encontrar em nosso passado os lampejos necessários. Benjamin escreve nas Teses sobre o Conceito de História que todo documento/monumento de cultura é um documento/monumento de barbárie e nos exorta a escovar a história a contrapelo. Estes são os nossos Jogos Olímpicos Rio 2016.