sábado, 4 de janeiro de 2020

Bacurau e The Word for World is Forest

Como eu escrevi antes no Facebook, a questão toda é a falta de curadoria na minha vida. Mas isso tem seus pontos positivos, creio eu. Numa atitude bricoleur - expressão pela qual nós, pessoas da antropologia descendentes de vovô Lévi-Strauss temos afeição - coisas de naturezas muito diferentes se justapõem. E, como eu não sou crítica literária nem nada, posso me permitir escrever na forma de um relato de si o que andei pensando sobre minhas justaposições.
Tudo começou com um impasse ético sobre se e como fazer um relato - cujo teor não cabe no Fofocabook - e qual a verdade possível nele. Como meus livros finalmente chegaram a Rio Branco, fui pedir ajuda à Judith Butler no "Relatar a si mesmo: crítica da violência ética", um livro que eu havia começado a ler em 2017, mas não tinha terminado. Foi uma leitura demorada, pelo tanto que me pôs a pensar, não apenas na minha questão original, mas também nos grandes tramados da minha vida reencontrados ao estar junto da família para passar o Natal. Como quem leu o livro sabe, Butler começa a discussão por Adorno e a questão da impossibilidade da universalização moral, trazendo então Nietzche e a ideia da gênese do relato de si em uma cena de acusação. Uma das coisas deliciosas do livro é que os autores examinados a fundo por Butler: Adorno, Nietzche, Laplanche, Lévinas, Foucault, tem sua crítica construída sobretudo a partir do diálogo com autoras mulheres, algo que não é explicitado nem por Butler, nem no posfácio do Safatle que acompanha a edição brasileira.
Bom, pensando em algumas coisas que eu li e nas que causavam meu impasse, achei por bem procurar o velho Dante Alighieri, que eu afinal nunca havia lido. Lá na casa da minha avó havia uma edição da Divina Comédia em prosa, que pertencera a meu pai, e uma edição em versos apenas do Inferno, que pertence ao meu irmão. Melhor ler em versos, ainda que sem o Purgatório e o Paraíso. Dante, acompanhado do poeta Virgílio, envereda-se pelos diferentes círculos do inferno narrando a si e aos outros, julgando assim a Florença que o desterrara e personagens de narrativas clássicas e medievais. A edição que eu lia estava repleta de notas, auxiliando a entender as referências de Dante e tecendo comentários sobre a tradução. E, afinal, parte do meu problema ético sobre o relato tem a ver com certos limites tradutórios.
Coincidentemente, eu estava em outro momento tentando apagar arquivos do celular e liberar espaço, porque o bichinho está deveras sobrecarregado. Achei por lá o The Word for World is Forest, novela da Úrsula Le Guin que eu havia baixado em janeiro de 2019 e também não havia terminado de ler, porque o arquivo sumira e eu acabei esquecendo. Na época, lia-o acompanhado da leitura de A Queda do Céu, do Davi Kopenawa, porque os dois livros estão em franco diálogo sobre a devastação do colonialismo e a incapacidade dos brancos/terráqueos de sonhar. Deixei Dante e Virgílio na casa do meu irmão em São Paulo e fui para o planeta-floresta.
The Word for World is Forest conta de um planeta em processo de colonização pelos humanos vindos da Terra. O planeta Terra não tem mais florestas ou árvores, é como Coruscant em Star Wars ou Trantor, da Fundação de Isaac Azimov. Athshe, o planeta colonizado, é inteiramente recoberto por florestas e os terráqueos chegam justamente para extrair madeira, commodity valiosíssima. O personagem que nos introduz ao mundo é uma espécie de bandeirante do espaço, Comandante Davidson, que se relata como aquele capaz de domar o planeta "New Tahiti" com virilidade, subjugando os creechies, os nativos do planeta. Estes, na visão de Davidson, seriam quase animais, inferiores em tamanho e intelecto, pouco capazes de sentir dor ou esboçar reações, uma vez que são absolutamente não-violentos. Outro agente colonial é o antropólogo Raj Lyubov, que passou um tempo nas aldeias dos nativos athsheans, sobretudo com um colaborador nativo chamado Selver. Lyubov e Selver ensinam-se suas línguas mutuamente e apresentam um pouco de suas respectivas culturas. Selver também tenta ensinar Lyubov a sonhar, uma habilidade que os Athsheans desenvolvem desde criança e que constitui um de seus domínios de existência, uma vez que o sonho e a vigília (o tempo-mundo) são igualmente verdadeiros e habitados.
A trama se desenrola quando Davidson retorna à base e a encontra destruída. Davidson é subjugado por quatro Athsheans, incluindo Selver, que é reconhecido pelas cicatrizes que Davidson lhe deixara. Sabemos então que Selver algum tempo atrás fez algo nunca feito pelos seus, atacou Davidson, após este ter estuprado e morto sua esposa. Nesse primeiro ataque, é Lyubov quem salva Selver. Selver então vaga pela floresta até encontrar uma aldeia de seu povo e pode então relatar a destruição das aldeias, a escravidão brutal dos Athsheans e a derrubada da floresta. Após alguma discussão, os Athsheans entendem que Selver fez algo novo, um gesto de violência, o que o torna um Deus/tradutor. Sua história é espalhada pelas aldeias Athsheans.
Seguindo a temporalidade do Ciclo Hainish da Úrsula le Guin, chegam notícias à colônia de que a Terra se tornou parte da Liga dos Mundos, e emissários humanos de outros planetas chegam a Athshe, trazendo o ansible, uma tecnologia de comunicação instantânea pelo espaço que supera a lacuna de 27 anos de distância entre a Terra e o planeta colonizado. Segundo as novas leis, Athshe não pode mais ser colonizado e os escravos devem ser libertados. Davidson se rebela e reúne alguns homens para retaliar os nativos. Lyubov tenta reestabelecer contato com Selver, mas é rechaçado. Selver lidera um ataque massivo contra a vila central dos terráqueos. As mulheres são mortas, Lyubov também, os homens levados a um campo de prisioneiros e, depois do pacto feito com as novas autoridades, deixados em uma área desmatada para viverem até que uma nave os venha buscar. Davidson continua atacando, até ser capturado e deixado em uma ilha cujo desmatamento impossibilitou o renascimento da floresta.
O livro termina com a conversa entre Selver, não mais um Deus/tradutor, e um dos emissários que vieram buscar os terráqueos. Selver entrega as pesquisas feitas por Lyubov e o emissário pergunta se homicídios passaram a ocorrer entre os Athsheans, uma vez que eles aprenderam a matar os seus. Selver responde que se algo é trazido da dimensão do sonho para a dimensão do mundo, não é possível faze-lo voltar para o sonho. Entende-se aqui porque a palavra para Deus e tradutor é a mesma, como aquele ser que traz de uma dimensão a inovação para outra. A violência adquirida como conhecimento/habilidade pelos Athsheans não é uma descoberta ou invenção (esses modos de conhecimento ocidentais) ou a perda da inocência, a queda de um paraíso edênico (outro tropo bem ocidental para falar dos bons selvagens), é uma operação tradutória a partir do contato com aqueles que definem seu planeta pela Terra, e não pela Floresta. Esta outra ontologia desloca uma série de questões sobre a violência ética que Butler estava discutindo, o que veio ao encontro da minha principal indagação sobre o livro "Relatar a si mesmo" e suas reflexões sobre a alteridade, a ética do "quem és tu?" que Butler propõe como reconhecimento recíproco da vulnerabilidade. O quanto a discussão toda sofre de certo ensimesmamento, paradoxalmente, quando não traz o diálogo com noções de pessoa que de partida não pressupõem um indivíduo autoidêntico, uma discussão forte na antropologia pelo menos a partir de Marcel Mauss e que marca todo o campo americanista, melanesista e o que estuda religiões de matriz africana, possessão etc.
Aí então, já em São Paulo com meu irmão e cunhada, fomos assistir Bacurau, cujo torrent eu passara meses procurando, mas quando o consegui, não tive muito pique de ver. Foi ótimo assistir em companhia deles, que não sabiam a trama de antemão (suas timelines são menos esquerda ostentação que a minha). Bacurau é a cidadezinha no oeste de Pernambuco, cujos habitantes vivem forte relação comunitária mas também certos conflitos, e que tem um prefeito absolutamente cínico e oportunista que sequestra seu acesso à água enquanto lhes oferece migalhas - remédios e alimentos vencidos, livros desconjuntados despejados na praça. Bacurau, se não tem o sonhar dos Athsheans, tem certos narradores:o violeiro, o dono do carro de som com telão, sobretudo o tal museu histórico, personagem importante da trama. O filme começa com a chegada de uma moça a Bacurau, trazendo vacinas de carona em um carro pipa no alto de uma barragem. Este carro desvia-se de caixões pela estradas, caídos de um carreto acidentado. Chegando a Bacurau, um velório tem lugar, segue o cortejo musical pela falecida, matriarca da cidade, com algum protesto bêbado de dona Domingas, a médica da cidade.
Bacurau sumiu do mapa, e saberemos que isso foi orquestrado por um grupo de gringos que escolheu Bacurau para campo de caça, em um jogo em que se ganha pontos por matar os menos-que-humanos com armas vintage. Além do prefeito que vendeu a cidade para eles, como descobrimos no final do filme, os gringos são auxiliados por um casal do sudeste, que tenta participar do jogo e da branquitude dos gringos sem sucesso, e também acaba sendo morto.
Após as primeiras mortes, os habitantes de Bacurau chamam Lunga, procurado pela polícia e uma espécie de guerrilheiro local. Lunga é quem ainda detém a habilidade da violência e pode assim organizar a defesa de Bacurau. As armas estão no museu histórico, armas antigas que são o legado cangaceiro e colteiro do sertão, não o fetiche dos gringos. Lunga é capaz de resgatar a memória da luta em situação de perigo - em um lance absolutamente benjaminiano - e os habitantes de Bacurau conseguem assim matar os invasores, deixando suas cabeças na escadaria da igreja junto aos caixões que guardam seus próprios mortos. O chefe dos gringos é deixado em uma cela subterrânea e o prefeito é vestido com uma máscara monstruosa e enviado nu para morrer no ermo. Errou feio quem comparou o filme a um Tarantino, em Bacurau não há o menor gozo pela violência (com exceção dos gringos), mesmo a cena em que o povo filma as cabeças com celular tem a ver antes com a propagação da memória e da narrativa.
A justaposição improvável e imprevista entre Bacurau e The Word for World is Forest para mim se deu precisamente por esta aquisição da violência como habilidade em um contexto colonial. Em um caso, algo trazido do contato e materializado no mundo por uma tradução do sonhar. Em outro, como uma memória que irrompe e revigora a resistência. Em um caso, em um futuro da Terra que é ao mesmo tempo seu passado, dada a distância entre os planetas que só agora conseguem se comunicar de forma instantânea e a persistência de certos caráteres e práticas de desumanização e despossessão. Em outro, em um futuro do Brasil que é o que sempre foi, mas tem dificuldades de se lembrar, de se comunicar com seu passado. Em ambos, uma figura chave de transformação, Selver, Lunga, com habilidades tradutórias entre mundos sem com isso se render a nenhum tipo de sebastianismo (Selver deixa de ser Deus/tradutor, Lunga é Lunga, não é o chefe de Bacurau, se não na guerra). E, como disse o Leandro Durazzo, um ponto de ruptura, em que as coisas passam a ter novas possibilidades.
Nessa mesma chave, é possível continuar listando pontos de simetria, e comparar por diferenças e contiguidades, e não por semelhanças e igualdades, é muito valioso. Eu, que tenho certa obsessão pela discussão da violência como linguagem, peguei-me nesse encontro entre a novela escrita por Úrsula le Guin em 1972, à luz da Guerra do Vietnam, e do filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles de 2018.
Daí, o papo continua.

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Toada velha cansada

Talvez uma das coisas mais interessantes de fazer pesquisa etnográfica com povos indígenas no Nordeste é a sensação imediata de proximidade. É, também - e após um tempo e/ou ouvido aguçado - a sensação mais mediada de diferença.

Não me entendam mal - este texto curto não tem pretensão de definir detalhadamente semelhanças e diferenças. Não quero dizer que povos indígenas de outras regiões do Brasil, como o norte arquetípico das florestas intocadas, sejam populações exóticas e puras, no sentido romântico do termo. Quero apenas dizer que no Nordeste, região em que tenho vivido, entre idas e vindas, nos últimos dez anos, as realidades indígenas às vezes nos apresentam algo familiar, e logo depois - ou ao mesmo tempo - escancaram diferenças até então insuspeitas.



O canto nordestino, a toada velha cansada que por muito tempo acreditamos ser uma característica de "brasileiros" da caatinga, aos poucos se mostra como característica também indígena da caatinga. Como entoação de índios ribeirinhos ilhéus canoeiros, agricultores e criadores de caprinos, caboclos de sangue dos antigos, familiares dos troncos velhos, mesmo dos brabios que continuam circulando por aqui, séculos depois.

Num instante, sentamos junto aos índios que fumam seus cachimbos sagrados, soprando a fumaça e o tempo; no outro instante, sentamos ao pé do fogão para ouvir uma toada na língua dos antigos, cantada como quem cantasse um aboio avoado.


Semelhanças e diferenças, proximidades e distâncias na trama do ouvido aberto.

domingo, 24 de setembro de 2017

Audição participante

A diferença entre observar participando (ou participar observando) e entrevistar as pessoas com quem aprendemos aparece, até onde alcanço, mais nas perguntas que fazemos do que nas respostas que obtemos. Porque as respostas, as histórias e as falas das pessoas com quem nos dispomos a estudar, nossos nativos-relativos-e-interlocutores, costumam orbitar seus próprios centros: ninguém é uma enciclopédia, e as respostas, as histórias e as falas de uma pessoa parecem sempre dialogar com as respostas, as histórias e as falas dela própria, não com nossas propostas, expectativas e boas intenções. A diferença entre observar participando e entrevistar, então, está mais nas perguntas que aprendemos a fazer - ou nas observações que aprendemos a observar - do que nas respostas que conseguimos extrair, que achamos que conseguimos extrair, muitas vezes completamente desinteressantes para quem responde.

Acompanhando o povo Tuxá do norte da Bahia, indígenas que hoje se dedicam a um processo de auto-demarcação de suas terras ancestrais à margem do rio São Francisco, tenho pouco a pouco percebido isso. Não são minhas perguntas que importam tanto - na verdade, às vezes minhas perguntas são tão bobas que nem encontram espaços para serem perguntadas. O que importa, creio eu, é o entendimento dos momentos, sentidos e espaços para falar, perguntar, e às vezes - muitas vezes - calar e ouvir o que se diz.
Aprendendo a perguntar

Também pude acompanhar duas equipes de filmagem que passaram pela retomada recentemente. Cada uma com um projeto audiovisual diferente, com entradas e entendimentos diferentes sobre as realidades indígenas, mas ambas com uma semelhança que achei notável: as perguntas.

Bem intencionadas que sejam, as perguntas diretas e objetivas, conscientes e intencionais, por vezes erram o alvo, atravessam os interesses, cometem gafes e não entendem o que é respondido. Porque as respostas, as histórias e as falas das pessoas com quem nos dispomos a estudar, nossos nativos-relativos-e-interlocutores, costumam orbitar seus próprios centros. A resposta da vida é tempo, como sabemos. Como aprender que não se deve perguntar determinadas coisas, que não se deve interferir em determinados assuntos, que não se deve querer ajudar onde não se deseja ajuda? Não muito com perguntas, parece, mas com um processo lento e menos espetacular: escuta.





* [na imagem, citação em Cynthia de Cássia Santos Barra - Literaturas de autoria indígena e revitalização das línguas indígenas, capítulo do livro "Revitalização de língua indígena e educação escolar indígena inclusiva", organizado por Anari Braz Bomfim e Francisco Vanderlei Ferreira da Costa, em 2014]

sábado, 16 de setembro de 2017

Na Casa de Minha Avó

Há dois meses, cumpri a minha sina millennial e voltei para a casa da minha mãe e avó, um sítio no interior do Rio Grande do Sul. E este retorno tem instigado certas reflexões, ainda que estejamos muito longe de Na Casa de Meu Pai, livro do filósofo Kwane Anthony Appiah publicado em 1993, cujo subtítulo é a África na filosofia da cultura.

Se Appiah, nascido na Inglaterra e criado em Kumasi com seu pai, usa elementos autobiográficos para discutir as construções históricas de raça e as implicações da construção de uma identidade panafricana, aqui sinto iniciar o movimento de modo inverso. Nas manhãs, enquanto as panelas trabalham no fogão e o café esfria no fundo da caneca, revesamos os temas de conversa. Minha avó reconta suas histórias de vida, a infância na Indonésia, o período da guerra, a juventude na Holanda, a imigração para o Brasil, as amizades na São Paulo dos anos 1950-70, a chegada ao Rio Grande do Sul e as adaptações à "colônia alemã". Eu narro as minhas viagens de campo para o Amazonas, falo dos amigos que fiz, dos modos de vida em Manaus, Parintins, Tabatinga e na aldeia. Mas também conto do processo de escrita da tese, passo a passo como eu estou montando as seções dos capítulos, estruturando um argumento.

No primeiro dia em que cheguei, numa dessas conversas, em um bloquinho de anotações que minha avó usa para escrever listas de supermercado, fazer sua contabilidade ou registrar nossa pontuação nos jogos de cartas, eu desenhei uma estrela formando o diagrama dos cinco capítulos que quero escrever, e indicando como suas partes se interligam. Sobre a mesa estava um teçume feito pelos Baniwa, que eu trouxe de Manaus depois de uma das minhas viagens. Minha avó adorava acompanhar o padrão de tessitura das fibras, que em uma das extremidades era quebrado pela introdução de um novo padrão. Meu diagrama de tese era também um padrão de tessitura. E também o são os bordados de lã nos quais minha vó passa seus dias trabalhando, escolhendo para cada desenho o melhor ponto e as combinações de cores mais harmoniosas de lã. Os três trabalhos evoluem pela repetição de certos movimentos, que geram formas ampliadas de si, um jogo de escalas, repetições e variações. Ao mesmo tempo, os três trabalhos exigem cuidado com os arremates e acabamentos, e tem segredos que só são revelados no verso. Na mesa da cozinha, encontram-se três artefatos, três diferentes habilidades de feitio, três qualidades de materiais, três processos de conhecimento que, justapostos, podem ser comparados sem serem confundidos. Pela tessitura de seu bordado e de suas histórias, minha vó constrói entendimentos sobre o teçume Baniwa e sobre a minha tese de doutorado sobre universitários indígenas Sateré-Mawé.

Pela tessitura de seu bordado e de suas histórias, eu também construo entendimentos sobre a minha tese de doutorado, ao demonstrar para minha avó o que estou fazendo enquanto tamborilava o teclado do computador. Estou, desde que cheguei, trabalhando vagarosamente no capítulo 2, dedicado à antropologia urbana. Em um olhar simples, a escolha de autores é como a escolha das lãs, para tecer as figurações da minha tese. Mas é também diferente. Tenho trabalhado na comparação de diferentes enquadramentos da noção de cidade para as ciências sociais, a partir do ensaio "A Cidade" de Max Weber, tentando mostrar a conformação de modelos, de conceitos e de temas pesquisados até chegar às práticas de pesquisa de meu próprio núcleo, por um lado, e discutir a transformação dos modos pelos quais a presença indígena nas cidades foi tematizada, por outro. É um enorme balanço de autores, escolas, métodos. Parece algo já feito vezes demais, por um lado, e acima das minhas capacidades, por outro. Andei desanimada e é talvez por isso que estou escrevendo este post.

Então conto à minha avó o que esses autores queriam entender, os processos de urbanização e industrialização, e como isso afeta o modo como as pessoas entendem a si mesmas e organizam a convivência com outras pessoas, parecidas, diferentes, amigáveis, perigosas. Ao longo desses dias, falei para ela sobre Simmel e a hipertrofia da vida nervosa; sobre as reformas nas avenidas de Paris feitas pelo Barão Haussman e comentadas por Walter Benjamin; sobre Robert Park e seus colegas tentando entender os enclaves de imigrantes em Chicago; Gluckman e Mitchell pensando as migrações de africanos rurais para as cidades mineradoras da Rodésia nos anos 1940; Sérgio Buarque de Holanda comparando ladrilhadores e semeadores ibéricos; Roberto Cardoso de Oliveira e o tribalismo Terena; Ruth Cardoso e Eunice Durham pensando São Paulo e seus imigrantes; e agora Geraldo Andrello e a cosmologia Tariano sobre a cidade no Uaupés. O que é uma cidade, o que define uma cidade, o que faz uma cidade (como Michel Agier formula)? A compreensão de que não há uma resposta pronta e autoevidente para essas perguntas desperta em minha vó mais lembranças e histórias. Sobre a infância na Indonésia, a fazenda de cana, o malaio semi-esquecido, os traços remanescentes da presença portuguesa, as festas dos muçulmanos. O que é colonialismo? Sobre o pós guerra e o fluxo de categorias que aqueles saídos dos campos de concentração passaram ao serem geridos pela Cruz Vermelha e por fim "repatriados" à Holanda, apátridas, displaced persons, eurasians, indoeuropeans, holandeses no passaporte. O que é identidade? Sobre suas amizades com outros imigrantes estrangeiros em São Paulo, com quais nacionalidades ela se dava melhor, com quais nacionalidades meu avô holandês se dava melhor, as firmas estrangeiras onde trabalhou, e os estranhamentos com os modos brasileiros de fazer as coisas. O que é cultura? Sobre as mudanças em Diadema, onde eles moravam antes de vir para o sul. O que é urbanização? Sobre os dilemas da juventude da zona rural daqui ao ser escolarizada e não querer mais ficar trabalhando no campo, como seus pais, dilemas que minha avó acompanhou ao dar aulas de reforço para as crianças e conversar com seus pais, às vezes em alemão (que os riopardinhenses aprenderam em casa e minha avó na escola). O que é educação? Sobre as muitas experiências de racismo que minha avó sofreu no nosso país "miscigenado". O que é raça? As histórias de meus bisavós na Indonésia, das irmãs de minha avó, seus filhos, netos e os bisnetos bebês dos quais recebemos fotos e temos que fazer árvores familiares para acertar os nomes e ascendentes. O que é família?

Sento na cozinha da minha avó e conversamos, assim como eu me sentei tantas vezes com meus amigos Sateré-Mawé para conversarmos. A tese é também uma forma de sentar com os autores da minha bibliografia e continuar a conversa. É uma conversa mais difícil, porque eu preciso de alguma forma trazer em minhas palavras as suas, fazê-los amigos imaginários no meu pensamento, sem deixar de me surpreender com o que eles podem vir a me dizer, quando eu não estou preocupada demais em resumir seus argumentos e apresentá-los para meus leitores, também imaginários, e que nesse momento são principalmente as professoras que eu quero convidar para minha banca. Essas diferentes conversas todas tem sua densidade, baseada nos códigos em comum que eu tenho com os Sateré, construídos ao longo de nossa convivência e das histórias que partilhamos; com minha família, construídos ao longo de nossas vidas inteiras; com os autores e com a banca, construídos ao longo do meu treinamento em antropologia na USP, que eu tenho tentado explicitar na tese sem transformá-la num texto ensimesmado.

Tecer a tese é um trabalho de paciência, mas também de agonia, com o fantasma do prazo e as culpas por ter demorado a fazer certas coisas, por não ter feito outras. Os teçumes indígenas, os bordados de minha avó e as nossas histórias habitam outras temporalidades. Difícil é fazer o trânsito, não entre esses processos de conhecimentos todos, mas entre essas temporalidades e os requerimentos de cada uma. Acho que tenho a sorte de, nos diálogos tecidos com meus colegas e familiares, ter formado amizades e apoios, aqueles que na tese normalmente aparecem lá na seção de Agradecimentos, mas que são o o verso do bordado da tese, nós que firmam os pontos e permitem que o trabalho não se desmanche.



terça-feira, 18 de abril de 2017

Podcasts, redes sociais e os limites virtuais da empatia

Em 2014, no meio de uma ressaca meio deprimida de 2013, lembro de estar ouvindo, em meus fones, amigos distantes conversando sobre cervejas e Fórmula 1. Eu estava na Bolívia, e ouvi-los conversando entre si, eternizados em mp3 no meu bolso, de certo modo fazia a ressaca e a tristeza irem embora, ou se acalmarem um pouco. Do lado de fora do ônibus, apenas despenhadeiro, e do lado de dentro dos ouvidos, menos. Durante um período que a mim parecia difícil, em que eu me surpreendia com as possibilidades aparentemente catastróficas da vida, ouvir podcasts servia como um vínculo comigo mesmo, com um tempo anterior a 2013/14, com amigos de quem eu há muito sabia as histórias. Mesmo que os tais amigos não me conhecessem.

No Brasil, de forma geral, podcasts são programas de áudio disponibilizados pela internet, em que um apresentador serve de âncora a uma conversa com diversos participantes. Uma espécie de programa de rádio, de entrevistas a banalidades, mesclado com discussões acadêmicas e mesa de bar. Uma característica curiosa do formato é sua regularidade, normalmente semanal, e a constância da estrutura com que se apresentam: em uns, sabemos que imediatamente após a apresentação dos participantes ouviremos a leitura de emails, em que outros ouvintes como nós falarão, por meio das cartas, sobre experiências com o programa, comentarão sobre algo de edições passadas, farão piadas, e assim por diante. Sabemos, por exemplo, depois de um tempo acompanhando determinado podcast, que após a música final ouviremos uma espécie de erro de gravação, ou piadas internas, ou algo que os editores julgaram engraçado. Com o tempo, vamos nos habituando à presença de pessoas que não conhecemos, e de quem talvez não fôssemos nos aproximar se conhecêssemos.

Podcasts me parecem, assim, uma das formas de contato e convivência virtuais destes últimos anos, deste início de século 21. Surgem, de certo modo, no mesmo período em que as redes sociais se dinamizam e espalham: Orkut, Facebook, entre outras, são formas de contato e convivência virtuais que a cada dia parecem mais inescapáveis. Temos amigos podcasters e temos amigos de Facebook: os primeiros não nos conhecem, e os segundos tampouco.

Isso me faz pensar sobre as diferentes modalidades de amizade virtual, neste ano de 2017, em que "amizade virtual" nem mesmo é um termo com muita validade (nos anos 1990 e começo dos 2000, era). Parece haver uma diferença crítica entre as amizades que ouvintes de podcasts estabelecem com seus podcasters, por um lado, e as amizades que perfis de redes sociais estabelecem entre si. Por mais que perfis conectados pelas redes sejam "amigos" dinâmicos, comentadores, curtidores uns dos outros, o vínculo que se estabelece entre eles não demanda, necessariamente, uma continuidade temporal. Um acompanhamento ao longo do tempo, diríamos. Em momentos de crise midiática, em que a grande mídia é questionada nas mídias alternativas e a bolha social parece aumentar, é muito fácil "deixar de seguir" um amigo nas redes sociais porque ele não compartilhou, na última quinta-feira, de nosso entendimento sobre a polêmica da vez. Não há necessariamente uma maturação, nas redes sociais, dinâmicas e 2.0, como há entre ouvintes de podcast e seus produtores.
Arte de Pawel Kuczynski

Talvez os algoritmos e a velocidade com que as timelines mudam, apagando as notícias antigas, restringindo público alvo, expliquem um pouco essa discrepância de posturas que percebo, de meu ponto certamente limitado, nas redes sociais e em outros espaço da web. Hoje em dia já não é segredo que a polarização de opiniões em redes sociais tende a se agudizar conforme os contatos compartilham das mesmas posições. No Facebook, por exemplo, vivo e convivo com aqueles que compartilham de meus ideias e postagens de ideais: os demais, os Outros, "os obviamente equivocados" são relegados à exclusão (do contato) ou, com mais generosidade, ao simples e indiferente "deixar de seguir".


O que acontece com podcasts, entretanto, me parece completamente diverso. Fiquemos apenas na ideia das bolhas em redes sociais. Se há essa tendência para o isolamento ideológico, essa dificuldade internética de se ouvir o outro - efetivamente outro, não apenas o outro-que-é-como-eu - um fenômeno muito mais sutil acontece de tempos em tempos com podcasts e seus ouvintes. E aqui, antes de falar de empatia, vou conceder a óbvia possibilidade de que haja empatia também nas redes sociais: compartilhamentos e apoios a casos e causas alheias, ou mesmo a eventual união em prol de demandas e interesses comuns.
Mas a empatia que volta e meia ouço em podcasts toca num ponto distinto. Talvez pela temporalidade também distinta - ouço alguns podcasts, com seus participantes, toda semana, há cinco anos ou mais - ou talvez pela diferença de mídia - podcasts, afinal, são conversas que ouço, pessoas que aprendo a conhecer e com quem rio, muitas vezes de quem rio. A constância e o convívio transformam os podcasters em amigos, como já sugeri, e essa amizade oferece um tipo de empatia e uma alcande de sensibilidade que as redes sociais não têm conseguido atingir.

Recentemente, o podcast do portal Cinema com Rapadura - o Rapaduracast - completou 500 edições. São 11 anos de programas constantes, com participantes que já mudaram bastante ao longo da década, mas que continuam de algum modo os mesmos. Ao longo de anos, os ouvintes acompanham as discussões do programa sobre cinema, arte, estética, técnica cinematográfica, bilheteria e franquias milionárias. E também sobre a vida, e as vidas de todos que passam pelo programa como produtores daquele conteúdo. Nesta edição 500, muitos testemunhos de ouvintes foram enviados em áudio, e intercalados ao longo das duas horas de conversa sobre a história do programa. Dentre os áudios, muitos diziam algo que eu disse no primeiro parágrafo desse texto: como é estranho dizer "amigos" a quem sequer nos conhece, mas como é verdadeiro; ao longo de dez, onze anos, ouvintes compartilharam muitas fases e mudanças dos produtores daquele conteúdo, e tais produtores compartilharam muitos de seus problemas e sentimentos. Em se tratando de um podcast de arte, mesmo que entretenimento, não admira que isso aconteça.

Muitos depoimentos de ouvintes diziam de passagens tristes e graves, em que escutavam determinado podcast enquanto escreviam uma carta de suicídio, ou choravam copiosamente por conta de depressão. Muitos depoimentos. E isso me deixou pensando nessa convivência que se estabelece, de certa forma unilateral, mas nem tanto, em que as pessoas se dão tempo para conhecerem umas às outras - os ouvintes porque vão pouco a pouco conhecendo os produtores, e estes porque respondem dinamicamente aos comentários e sugestões de seu público. É uma relação real, de anos, reforçada semanalmente, sem as ânsias de compartilhamento, curtida e atenção das redes sociais que vão estabelecendo bolhas de trocas restritas, em que nada do mundo externo nos chega - e das quais também não nos livramos.

A experiência e a paciência do tempo, no caso dos podcasts, faz esse tipo de estranho vínculo virtual se tornar real. E para quem conhece o meio, essa edição 500 do Rapaduracast não é extraordinária: muitos outros podcasts causam esse efeito de "amizade virtual real" e permitem, em tempos de "13 razões", que pessoas solitárias, deprimidas, com dificuldades de relacionamentos sociais, se relacionem com algo verdadeiro. A aceleração que delimita as relações possíveis numa rede social, em que opera certa lógica de oposição excludente, não parece acontecer em podcasts com a mesma frequência. Não, pelo menos, com a mesma característica.

Talvez, para além do tempo mais extenso dos podcasts, da convivência mais parcelada e atenta, haja outro fator importante na composição dessas comunidades de amigos virtuais: ouve-se o outro, e ainda que o Twitter esteja aí para veicular xingamentos-muitos, e ainda que a caixa de comentários esteja aí para não-ser-lida, o exercício do ouvir, da atenção à fala do outro, se faz presente. Mais que presente, inclusive. Se faz indispensável.

terça-feira, 11 de abril de 2017

13 Reasons Why

Acho que caiu a ficha sobre o que me toca dizer acerca de 13 Reasons Why. Não vou ficar discutindo se é para assistir ou não, que eu acho uma discussão bastante sem sentido. Vou me centrar na narrativa, então obviamente tem spoilers.
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Em primeiro lugar, vale dizer que eu assisti aos primeiros episódios com uma amiga ao longo de alguns dias, mas os sete últimos eu assisti sozinha, na madrugada de sexta para sábado, porque senti que precisaria de privacidade. Os realizadores da série, da mesma forma, sabem que há várias maneiras de assistir a um seriado com todos os episódios à disposição. Só ou acompanhado, aos poucos ou todos de uma vez, com graus diferentes de imersão do espectador. 13 Reasons Why faz dessas opções a forma para sua metanarrativa, as 7 fitas cassetes deixadas pela adolescente Hannah Baker, gravadas na semana anterior ao seu suicídio. O personagem principal da série, Clay Jensen, recebe o conjunto de fitas nas quais Hannah anuncia que vai listar os 13 motivos que a levaram a se matar, cada um exposto em um dos lados da fitas. Clay descobre que as fitas já foram escutadas por vários de seus colegas, aqueles mencionados nas fitas, e que ao final também ele deve passá-las adiante, sob pena de o conteúdo das fitas, preservado em uma cópia de segurança, seja divulgado. Clay, ainda que de modo renitente, segue as instruções e segue ouvindo os áudios, seguindo também as indicações de lugares onde se passa a narrativa, assinalados em um mapa de papel entregue junto com as fitas. O grande mistério para Clay, como para os espectadores, é porque ele - um bom jovem, apaixonado por Hannah - também é listado como motivo para um suicídio. Clay as ouve aos poucos, de modo a entremear os acontecimentos do presente pós-suicídio com os eventos narrados, trazendo as consequências do passado para o presente. Alex, outro dos jovens destinatários, em um dado momento o interpela pela demora, pois ele mesmo ouvira todas as fitas em uma só noite. As recepções de ambos são bastante afetadas por esta escolha.

Ou seja, as opções narrativas da série emulam a forma de uma narrativa dividida, em que o atraso da informações (withold information, não tenho certeza se é assim que se traduz) mantém a tensão e o interesse, como na forma ancestral das 1001 Noites. Mas há uma inversão aqui, pois esse interesse renovado pelo suspense não garante a vida da narradora. A narrativa de Hannah, ao ser ouvida após o fato consumado por aqueles a quem ela aponta como algozes, já não pode mais garantir sua sobrevivência, não tem uma intenção persuasiva ou apaziguadora. Esse atraso entre enunciação e recepção é crucial para a intenção de Hannah, Sherazade autocondenada, e para o slogan do pôster, que afirma que "se você ouvir isso, é tarde demais". E esse é apenas um dos muitos paradoxos com os quais a série se defronta: a opção por uma forma narrativa que fabrica a impotência.

Mas esta narrativa episódica e dividida não é a única coisa emulada na metanarrativa das fitas de Hannah. Há uma instrução imperativa de que as fitas sejam passadas adiante. Hannah, que constrói uma percepção de si como progressivamente impotente diante dos episódios de bullying, isolamento e violações, quer transmitir esta impotência aos seus acusados não apenas em relação à sua morte, mas também aos seus enunciados. Houve quem caracterizasse esse gesto de Hannah como vingança. Eu acho uma leitura equivocada. Hannah viu em seu gesto uma forma de subverter os diversos episódios em que fotos, boatos e também o seu poema foram transmitidos contra a sua vontade. E a série é sobre isso também, sobre descontroles de propagação e descontroles da narrativa de si. Hannah tem a fantasia que suas fitas vão forçar uma responsabilização pela transmissão que não houve quando seus colegas espalharam sua foto no escorregador, a lista em que ela é elencada como a dona da melhor bunda, as histórias de atividades sexuais que ela não realizou de fato ou o seu poema. Aqui, lembramos que a série está no Netflix, é assistida da internet, por onde conteúdos são repetidos, viralizados, distorcidos, num átimo de segundo, com uma enorme desvinculação cognitiva e ética de quem os propaga. A opção por uma mídia analógica, as fitas cassetes, tem o efeito didático de materializar e presentificar os corpos e os gestos que fazem esta propagação. Friccionam, portanto, com o próprio gesto de assistir e indicar a série aos contatos virtuais e não é à toa que o debate sobre 13 Reasons Why esteja girando em torno de recomendar ou não assistir a série. Por outro lado, a ameaça de divulgação por outros meios se dirige tanto ao poder de destruir reputações tal como fizeram com Hannah, quanto ao imaginário de riscos de propagação de vírus, hoaxes e outros conteúdos nocivos, como no filme de terror O Chamado (que, não por acaso, também usa uma fita vhs ao invés de um arquivo digital), que tem algo de lúdico, de desafio.

Hannah não está exatamente buscando vingança, mas não obstante o modo como narra cada uma de suas treze gravações (com hesitação, no caso da fita de Clay) é a acusação. Acusação por agressões ou por omissões diversas. São 13 acusações, que indicam autor e meio (e uma percepção acachapante de motivos em torno de status na escola), que por sua vez se tornam o motivo de Hannah cometer suicídio. Esse deslocamento das motivações dos acusados para motivações de Hannah cria o problema de definir ou não o suicídio como uma "escolha" ou "opção", como muitos dos personagens afirmam. "Ouçam o que vocês me fizeram", é o que está implicado por Hannah. Se aceito, esse modo enunciativo atrela uma série de possíveis reações, que passam pela possibilidade de defesa, pela definição da veracidade da acusação e pela determinação da culpa. Nosso amigo Fucô diria de regimes de verdade e processos de subjetivação específicos, mas deixa o Fucô pra lá. É assim que os jovens da highschool Liberty, em que Hannah estudava, reagiram. Afirmaram que Hannah mentiu, esclareceram motivos ("não tive a intenção") e mitigaram sua culpa. Metonimicamente, é também assim que a escola reage, especialmente diante do processo jurídico movido pelos pais de Hannah, que também optaram por fazer acusações. A escola com o nome de Liberdade nega ciência dos problemas de bullying, nega responsabilidade pelo suicídio de Hannah, e empreende uma campanha de fachada de prevenção de suicídio, sem de fato ouvir seus estudantes, sem sequer ter mecanismos adequados de escuta. Os destinatários de Hannah são incapazes de ouvir sua narrativa de outro modo, de ouvir que Hannah construiu uma perspectiva baseada em seu sofrimento psíquico e na sua cada vez mais acentuada impossibilidade de pedir ajuda. Caberia aos roteiristas ter estabelecido esta outra escuta de alguma forma, por meio de algum personagem que realizasse os comentários adequados. Não o fizeram, e este é outro dos paradoxos da série, um dos mais óbvios: a série busca induzir os espectadores a aceitar a verdade de Hannah como a verdade absoluta dos eventos, e não como fruto de seu sofrimento e das limitações narrativas que Hannah enfrenta. Uma narrativa que precisaria ser mediada, pontuada, confrontada. O suicídio de Hannah e o modo como ela o narra formam uma terrível tautologia com que se busca enredar os destinatários da série, todos potencialmente culpados de omissão ao se implicar que "precisamos falar sobre bullying, estupro e suicídio" por esta forma específica.

Há um lampejo de percepção desse problema na 13a fita. Hannah, ao longo de sua narrativa, menciona vezes em que ela buscou expressar e assim objetivar seus estados subjetivos, colocando-os em perspectiva em alguma forma dialógica. Sua própria capacidade de se autoorganizar e se comunicar decresce ao longo da série. Sua incapacidade de enfrentar seus problemas começa quando as conversas com Jessica e Alex cessam. Na noite com Courtney Crimsen, Hannah tenta se abrir, mas ao ser confrontada com a revelação de sua lesbianidade, Courtney prefere ignorar o que ouvira e repetir os rumores (então, Hannah a acusa). Hannah então tenta se expressar e fazer um balanço quando envia uma carta para seu colega Zach Dempsey (que figura nas gravações justamente por ter ignorado esta carta). Tenta mais uma vez ao escrever o poema para o grupo de poesias da biblioteca, que acaba sendo publicado por seu colega Ryan Shaver (saindo portanto do modo dialógico e entrando na lógica da propagação desvinculada que eu mencionei acima), por esta razão acusado em uma das fitas. Hannah busca uma conversa semi-identificada com seus pares ao escrever o bilhete anônimo da "aula de comunicação", e a professora apenas deflete a questão, enquanto o clima da turma é de gozação. Ocasionalmente, Hannah tenta sugerir o problema para Clay, mas ou ele não capta, ou ela mesma o afasta (e esse é o ponto em que nós, espectadores, deveríamos poder dizer "bom, são adolescentes, não tem lá muita articulação ou maturidade emocional mesmo, cadê os adultos responsáveis?"). Nesse estágio, a percepção de si de Hannah está tão desorganizada que ela acaba se colocando em ou não sendo capaz de reagir em situações de perigo. A paralisia diante do estupro de Jessica e todo o episódio do estupro de Hannah por Bryce Walker (o vilão conveniente da série, uma espécie de tipo ideal de bully e estuprador serial norteamericano) já indicam uma dissociação que também está na narrativa

Contudo, ao gravar as fitas e objetivar suas relações, Hannah tem um momento de percepção e alívio. Ela quase desiste dos planos. É nesse momento que Hannah busca ajuda do conselheiro da escola, Mr. Porter. E este é talvez o diálogo mais trágico do seriado, em que o conselheiro (supostamente experimentado por sua passagem por uma escola em que alunos "atiravam" uns nos outros) demonstra seu profundo desconforto ao ter que ouvir uma história de estupro e se exime da possibilidade de amparar Hannah ou sequer ouvi-la, aventando apenas a possibilidade de avisar os pais ou a polícia (alô, lógica penal!). Essa cena é o ápice do fracasso do discurso de prevenção ao suicídio encampado pela escola, porque revela que as pessoas designadas pela instituição são absolutamente ineptas. As campanhas, pôsteres e palestras que vem após a morte de Hannah parecem apenas uma cortina de fumaça diante da inabilidade humana de lidar com a questão. Não há um espaço ou pessoa que tenha os mecanismos adequados de escuta, só encenações nas figuras do conselheiro ou da "aula de comunicação" (pqp, USA!). E eis outro paradoxo da série: buscando revelar essa necessidade de diálogo, o seriado se mostra igualmente incapaz de fazê-lo. Repete-se à exaustão que o "suicídio não é uma opção", mas não há personagem capaz de mostrar conversas e atitudes que exemplifiquem encaminhamentos, acolhimento ou ajuda especializada. A última cena, em que Clay procura a companhia da outsider Skye, sugere cretinamente que no fundo cabe aos adolescentes resolverem seus próprios problemas "com um pouquinho mais de cuidado uns com os outros". É o mesmo problema daqueles textinhos viralizados nas redes sociais de prevenção ao suicídio no Setembro Amarelo, em que as pessoas irrefletidamente se oferecem para ajudar, mas não tem o menor preparo (nem disposição, no mais das vezes) para lidar com casos realmente graves, que deveriam receber atenção qualificada.

E esse é o problema com os tais "gatilhos" exibidos pela série. Algumas pessoas escreveram sobre Efeito Werther e recomendações para abordagens ao suicídio, que os realizadores da série abordam no pequeno documentário disponível no Netflix. Os realizadores afirmaram que romper o tabu desses temas era preciso, e daí mostrar as cenas de estupro e o suicídio seria uma abordagem que evitaria a "glamourização". Há uma falta de sensibilidade tão grande aí quanto a dos personagens retratados, o que nos faz pensar que a inércia e a apatia dos adultos do seriado não é intencional, mas reflexo dos próprios realizadores. É fartamente documentado que pessoas com quadros de depressão e que exibem comportamentos autoagressivos tem certas fronteiras entre o eu e o outro borradas, que introjetam dores alheias e tem dificuldade de filtrar estímulos, e por isso podem copiar ações suicidas ou ter memórias e reações despertadas sem controle ao serem expostas a tais narrativas. Para evitar que isso aconteça, e se há a intenção de contribuir para o diálogo e a prevenção, há que se ter certos tipos de mediação ao apresentar esses conteúdos, que devem ir muito além de um aviso de conteúdo sensível (mostrado só nos dois últimos episódios, muito provavelmente mais para obedecer uma norma legal do que por real preocupação). Era preciso que dentro da narrativa o distanciamento do ponto de vista de Hannah fosse feito, crucialmente nas cenas mais sensíveis. Esse distanciamento poderia ocorrer seja por um Clay mais vivaz e menos reativo, seja pela presença de ao menos um adulto que não fosse completamente autoabsorvido e atemorizado pelos próprios filhos adolescentes, seja por outra forma narrativa em contraponto. Não há uma única figura centrada na série, que não se deixe arrastar pela história de Hannah e que não busque se refugiar na própria impotência e covardia. Clay, o herói da trama, oscila entre o papel de assistente da promotoria, vingador e culpado. A dinâmica de ocultação do estupro de Jessica por seu namorado Justin Foley se caracteriza do mesmo modo, a incapacidade de assumir responsabilidades que não sejam atravessadas pela acusação e defesa. Os pais de todos os adolescentes (evidentemente, excetuando-se os pais propositadamente problemáticos de Justin) são omissos e passivos em um grau que esgarça completamente a verossimilhança do roteiro.

De boas intenções o inferno está cheio, dizem por aí. 13 Reasons Why é cheio de boas intenções. Há todo um elenco multi-étnico, representações esmaecidas de diversidade sexual, cumprindo o checklist da representatividade. Não obstante, em poucos momentos se toca no ponto da intolerância à diversidade. Mesmo personagens gays e lésbicas tem mais dificuldade com seus armários autoimpostos do que com a aceitação dos colegas. O bullying sofrido por Hannah tem sobretudo a ver com machismo, com o binômio santa/puta. O resto é ignorado. O que é surreal, dado que o vídeo promocional brasileiro da série traz atores e atrizes negros, LGBTs e gordos para dar depoimentos sobre como sofreram bullying por serem minoritários. Afora ser mulher e relativamente nova na cidade, Hannah não é minoritária em absoluto, é apenas o bode espiatório da escola. Não se cogita sequer que, ao ser rejeitada pelos amigos populares, ela possa encontrar refúgio nos outros outsiders da escola, como Skye Miller (esta é uma série em que a personagem mais lúcida é a que pratica cutting). Racismo e homofobia são assuntos sobre os quais se finge falar, sem falar de fato. No limite, assim como a prevenção ao suicídio, o estupro e o bullying. E, ao final, a impotência ressurge na tentativa de suicídio de Alex e na sugestão de que Tyler Down (acusado por Hannah por ser um stalker - e ele é, de fato, alguém que precisaria de boas aulas de ética e alguma atenção profissional - e depois ele mesmo tendo uma foto nua exposta na internet por Clay) se vingará dos colegas em um tiroteio na escola. Ao buscar mostrar as consequências de um suicídio para o círculo de convivência, o seriado na verdade só quer aumentar a situação de desconforto que usa como chamariz.

E há elementos hipócritas em tudo isso, como a escolha da trilha sonora, de Joy Division a Neil Young (adoro, mas não vem ao caso), certamente não compatível com as escolhas da maior parte desses adolescentes de 2017. Ela se remete à adolescência de nós, trintões e quarentões, público alvo presumível da série, que nela reencontra memórias da adolescência e se autoconsola como sobreviventes do highschool (não tem uma linha escrita aqui que não tenha como horizonte alguma lembrança minha, mas não vem ao caso). Já se gastou muita tinta e pixels escrevendo sobre como essas letras de rock, esse "gênero do demônio", seriam apologias ao suicídio. Obviamente não são, são expressões poéticas dos autores que podem até ter explorado comercialmente angústias geracionais, mas ao menos não anunciaram que estão em uma campanha de prevenção, como o faz 13 Reasons Why que, com isso, tenta pegar carona em um filme de grande sucesso no Netflix, As Vantagens de ser Invisível. Este filme, contudo, ao menos está ambientado em uma época em que as adolescências eram feitas por fitas cassete com gravações de roqueiros melancólicos, e que encara com alguma coragem as lutas contra a depressão e a inadaptação social, mostrando formas pelas quais os personagens resistem, refletem, enfrentam, elaboram enfim suas questões.

Acho que o melhor contraponto ao 13 Reasons Why é o filme Aos Treze, que é o relato mais ou menos autobiográfico de uma garota que desenfreia em uma série de comportamentos autoagressivos. O filme também traz os tais gatilhos, mas toda a forma dele tem a ver com o esforço de elaboração da autora/protagonista (e que atua no filme em um papel coadjuvante, se eu estou bem lembrada).

domingo, 9 de abril de 2017

Etnografia como hermenêutica instauradora

Começo a ler os textos sobre escrita etnográfica e documentos de campo imediatamente após concluir uma versão burocrática de uma carta à FUNAI. Penso, por exemplo, na reflexão de Roberto Malighetti sobre “temporalidades etnográficas”, ecoando um tanto de Johannes Fabian, e como minha escrita burocrática não refletia a verdade de meu campo vivido até agora. Lidando com exigências administrativas do órgão indigenista federal, no que diz respeito à entrada em área indígena, converso ao mesmo tempo com uma liderança tuxá pelo WhatsApp. As diversas temporalidades etnográficas não se dão apenas pela reflexão e reflexividade da escrita e da pesquisa, parece, mas inclusive pelas distintas necessidades de registros pelos quais circulamos: interpessoal, intersubjetivo, administrativo, burocrático, oficial.

 
Pensando nisso, a dicotomia estar-lá/escrever-aqui soa quase ingênua. Ou talvez não ingênua, mas certamente datada, por ter sido muito debatida em épocas anteriores à nossa atual sincronicidade comunicacional, e comunicativa, em que a abrangência e rapidez das telecomunicações parecem sobrepor mundos que até há pouco não se encontravam com tanta frequência. “Ter estado lá”, como quereria uma etnografia mais clássica, persiste ainda hoje - afinal, eu estive na aldeia Tuxá em janeiro último - mas já parece impossível dizer que “estive lá”. De certo modo, continuo estando, já que o contato dessa temporalidade etnográfica múltipla, como a experimentamos, não se desfaz de forma tão clara e distinta quanto na época das grandes viagens a locais remotos. Hoje, bem sabemos, as conexões remotas são o que compõem o campo - e, decididamente, as redes etnográficas.

Nesse sentido, há muito o que se pensar sobre as condições literárias da escrita etnográfica: “metanarração”, ou narrativa “de segunda ordem”, como Malighetti aponta, não são características auxiliares à forma da etnografia, mas sua condição. Entretanto, essa etno-grafia não está restrita apenas à grafia, à escrita em si, mas se faz presente como modo contínuo de entendimento do mundo e das relações com o Outro - nossos interlocutores sendo, claro está, as sempre diversas modulações do Outro antropológico. Vale notar, apenas para não perdermos a graça etimológica, que se falamos tanto de nossas etnografias, é porque assumimos que ao falar do Outro somos, nós mesmos, um povo circunscrito, espécie de grupo étnico antropológico: antropólogos são aqueles que fazemos etno-grafias, escritas étnicas, êmicas - mesmo que sempre em diálogo com a ética e a ética. Somos produtores de conhecimento dialógico, mas sempre etnocêntrico em alguma medida. Etnografia.

As metáforas de escrita etnográfica se prolongam: inscrever o Outro, transcrevê-lo, assumir a autoria do texto mesmo quando o processo de aprendizagem - educação, diria Ingold ou, antes dele, José Carlos de Paula Carvalho - se dá polifônica ou dialogicamente. Metáforas, aqui, não são meras analogias: não se trata de dizer “escrevemos etnografia como quem transcrevesse uma entrevista ou inscrevesse um baixo-relevo”. Metáforas são a carne da linguagem - e “a carne da linguagem” tampouco é analogia. Pela metáfora, isto é, pelo modo de conceber a relação possível, para além da linguagem mas incorporada, manifestada nela, a compreensão do Outro se mostra de algum modo possível. Eis o intersubjetivo de Fabian, e o hermenêutico em Malighetti, Ricoeur, outra vez José Carlos de Paula Carvalho e demais hermeneutas instaurativos - para mencionar, en passant, Gilbert Durand.


Quando “lemos pela etnografia”, então, seguindo a feliz expressão de Michael Fischer, somos apresentados a mundos de possibilidades. Inscritos/escritos pelos etnógrafos, é certo, mas em alguma medida informados/conformados pelas possibilidades que o etnógrafo encontrou em campo, pelas interlocuções que interlocutou. Digo “em alguma medida informados/conformados” porque, como em todas as áreas do conhecimento, o etnógrafo não está completamente livre de enviesamentos, etnocentrismos - etno-logos-centrismo, nas palavras de José Carlos de Paula Carvalho. Mas a dimensão científica da antropologia, sua intersubjetividade disciplinar e comunitária, apresenta-se justamente, queremos crer, para balizar tais etnocentrismos da escrita etnográfica, ou do próprio pensamento etnográfico. Apresentando suas interlocuções aos interlocutores, depois de escritas, e também aos colegas e interlocutores acadêmicos, a comunidade etnográfica e antropológica vai se autorregulando, possibilitando o refinamento hermenêutico que compreende o entendimento do Outro através da leitura - da escrita e da leitura dos mundos apresentados.

Fischer debate extensamente alguns desdobramentos de determinadas etnografias recentes, sobretudo no campo das ciências. De forma resumida, ele aponta a proficuidade de dialogar com outros domínios de conhecimento, compreendendo-os como também formadores do campo etnográfico - teorias ator-rede e malhas micélicas, poderíamos supor. Mas algo dito por Fischer passa como autoevidente, e gostaríamos de ressaltá-lo aqui: a ideia de que o objeto etnográfico (pensemos no objeto de pesquisa de que fala Oscar Calavia Sáez) é um objeto transicional. Fischer não parece se referir à ideia do psicanalista inglês Donald Winnicott, de objeto transicional e espaço potencial nas etapas de socialização e desenvolvimento (infantil, mas não só), e também não parece pensar objeto transicional como o faz, por exemplo, o psicanalista francês André Green, para quem o mito seria um objeto transicional coletivo. Mas Fischer cita Lacan, então julgamos apropriado desdobrar um pouco a ideia de campo etnográfico como objeto transicional.


Resumidamente, objeto transicional é uma noção winnicottiana que indica certo processo de desenvolvimento psíquico infantil e de individuação. O bebê, mônada psicologicamente indiferenciada em estágios iniciais, quando se compreende num ser compósito mãe-bebê, passa progressivamente a tomar consciência do mundo social e objetivamente externo a si. Esse processo de entendimento psíquico em que um Self se vê em conexão com um Outro, para Winnicott, é passível de acarretar traumas e disfunções violentas, se não for processado de uma maneira integradora. Daí a importância do objeto transicional: esse é aquele cobertorzinho de zebra, imundo e esfiapado, que a criança arrasta para todos os lados sem permitir que qualquer força neste mundo o leve embora. Ou lave. Essa conexão mediadora, esse objeto, funciona como uma transição psíquica saudável no processo de amadurecimento e individuação. Através dele, a compreensão de que o Outro existe e é relacionado ao Si, ao bebê - instintivamente etnocêntrico, diríamos - se torna possível. O espaço potencial que decorre do objeto transicional é o espaço das capacidades de conexão, relação e entendimento do Outro. Como nas boas etnografias, supõe-se.

Escapa-nos se Fischer pensava em Winnicott ao propor essa correlação. Imagino que não, pois nem Winnicott nem André Green aparecem em suas referências, e Lacan está em outro registro. Mas isso não invalida a reflexão: a etnografia, mais que etnocentrismo letrado, é objeto transicional coletivo, acadêmico e científico, na passagem disciplinar da antropologia - e de cada antropólogo - de um estágio monádico a um dialógico.

(Algumas) Referências

FABIAN, Johannes. 2006. A prática etnográfica como compartilhamento do
tempo e como objetivação, Mana, 12, 2. Rio de Janeiro, out. (http://ref.scielo.org/tr3n7z )

FISCHER, Michael M. J.. Etnografia renovável: seixos etnográficos e labirintos no caminho da teoria.Horiz. antropol.,  Porto Alegre,  v. 15,  n. 32, Dec.  2009 .   Availablefromhttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832009000200002&lng=en&nrm=iso

MALIGHETTI, R. Etnografia E Trabalho De Campo:
autor, autoridade e autorização de discursos. Caderno Pós Ciências Sociais - São Luís, v. 1, n. 1, jan./jul. 2004

SÁEZ; Oscar Calavia. Esse obscuro objeto da pesquisa : Um manual de método, técnicas e teses em Antropologia, ed. do autor, Sta. Catarina. 2013.